domingo, 6 de julho de 2014

Kuru: A doença dos canibais

A grande questão fisiológica com o canibalismo é a transmissão de doenças. Algumas doenças são mais facilmente transmitidas entre os membros da mesma espécie do que entre as espécies, e a prática de canibalismo significa que qualquer doença presente na fonte de alimento tem uma chance maior de ser transmitidos ao organismo que come. Por exemplo, o kuru, doença cerebral que se espalhou entre canibais na Nova Guiné por causa do consumo de um indivíduo com a doença.
A Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) é causada por uma proteína transmissível chamada príon e leva à desordem cerebral caracterizada por perda de memória, tremores, desordem na marcha, postura rígida e ataques epilépticos, e paralisia facial que dá a impressão de que a pessoa está sempre sorrindo (contração muscular involuntária) devida a uma rápida perda de células cerebrais. Uma epidemia de DCJ clássica ocorreu nas décadas de 1950 e 1960 entre pessoas do povo Papua, nativo da Nova Guiné. Descobriu-se que a causa era a prática de canibalismo ritual. Apresentando os sintomas da DCJ, essa doença vitimava principalmente mulheres e crianças, as pessoas que ingeriam cerimonialmente o cérebro de seus familiares mortos, em um ritual de luto. Este canibalismo ritual foi apontado como o mecanismo de transmissão de príons na doença, que ficou conhecida como Kuru.
O kuru chegou a matar 1% da população foré por ano e era transmitida durante os rituais antropofágicos, em que eram consumidos os cérebros de indivíduos falecidos, com o objetivo de adquirir sabedoria. Como o tecido muscular era restrito à alimentação dos jovens guerreiros; as vísceras, ossos e tecido nervoso eram destinados aos idosos, mulheres e crianças - os principais acometidos pelo kuru. Os príons causadores da doença levam a alterações nas células nervosas, com consequente formação de tecido cerebral anormal, ocasionando lesões progressivas e incuráveis no cérebro.
Ao ser questionado sobre os motivos da prática do canibalismo, um nativo respondeu “Ao morrer, você não preferiria ser comido por parentes do que por vermes?”. O médico Michael Alpers descreve em um artigo o que levava os foré a tal prática “Se o corpo fosse enterrado, seria comido por vermes; se o corpo fosse colocado em uma plataforma, seria comido por larvas; os foré acreditavam que era muito melhor que o corpo fosse comido por pessoas que amavam o falecido do que por vermes e insetos. Ao comer seus mortos, eles eram capazes de mostrar seu amor e expressar sua dor”.
Antropólogos, entretanto, adicionavam um macabro elemento a este costume. Segundo eles, havia um elemento gastronômico em tal prática. Alguns foré disseram que seres humanos eram deliciosos, especialmente o cérebro. Por amor ou pelo gosto, o fato era que esse ritual mortuário os levava a morte. Enraizada numa prática ritualística cultural, o ato de comer o cérebro dos parentes mortos levava os foré a uma horrenda e prematura morte. Sem saber que tal prática levava à propagação da doença, outros parentes comiam os cérebros infectados daqueles que morriam pela doença e assim ela continuava a dizimar todo o povo foré.
Anteriormente, a prevalência desta doença era de 14%, sendo que destes, a maior parte era composta por mulheres e os cozinheiros responsáveis pela preparação do cérebro para seu consumo. Após a abolição do canibalismo na região, esta doença foi praticamente dizimada, sendo considerada atualmente como uma doença prestes a ser erradicada. Embora ainda seja comum no continente africano onde ainda existe a prática do canibalismo.

Uma filmagem feita em 1963 mostra a agonia de uma vítima de kuru.

Para mais informações sobre os príons, visite o blog prionsmesalvem.blogspot.com.br 

Fontes:

7 comentários:

  1. No caso relatado, temos uma associação entre príons e doenças. Muitas vezes essa relação pode ser feita, como no caso do mal da vaca louca, mas deve-se lembrar que os príons não atuam exclusivamente em doenças. Isso quer dizer que os príons fazem parte, naturalmente, do nosso corpo e ajudam a executar funcionalidades importantes. Por isso, não deve existir uma associação exclusiva dos príons com enfermidades. Outro ponto a ser ressaltado na postagem é a importância do governo e dos órgãos de Segurança Alimentar na questão de doenças como o Kuru, uma vez que a doença pode ser evitada a partir de uma disseminação de informação e através de legislações por parte dessas organizações.

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  2. A Doença de Creutzfeldt-Jakob, inicialmente era associada pelos habitantes das tribos antropofágicas como resultado de práticas que envolviam feitiçaria. Com as devidas informações sobre as causas e formas de contrair a doença, essa teve seus índices bastante reduzidos, pois com o tempo, o hábito do canibalismo estava deixando de existir, mas o Kuru não deve ser considerado como uma doença agora inexistente, pois o príon causador pode ficar em estado de latência por um longo período de tempo. A última vítima fatal do Kuru era uma mulher de 61 anos que convivia com o príon adormecido por 50 anos. Assim como esse exemplo, outros podem ocorrer da mesma forma. Então, a sociedade médica internacional deve se atentar para o controle adequado da doença.

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  3. Interessante ressaltar que estes príons levam a alterações nas células nervosas, com consequente formação de tecido cerebral anormal, ocasionando lesões progressivas e incuráveis no cérebro. Foram descritos três estágios da febre Kuru, de acordo com a evolução das manifestações clínicas: fase ambulatorial (caracterizada por tremores generalizados, perda de coordenação dos movimentos, disartria e presença de danos cerebrais incipientes); estágio sedentário (perda de capacidade de deambular de modo independente, tremores mais severos, ataxia e sintomas psiquiátricos - instabilidade emocional, depressão e bradipsiquia - . Nesta fase, a degeneração muscular ainda não é evidente e os reflexos tendinosos encontram-se preservados); fase terminal (perda da independência, ataxia severa, tremores, disartria, incontinência urinária e fecal, disfagia, ulcerações cutâneas e convulsões que levam à morte).

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  4. Existem no nosso corpo príons normais que fazem parte do organismo como uma proteína qualquer. Entretanto, a prática de comer cérebro humano pode provocar uma alteração desse príon normal em um príon anômalo e maligno, que é capaz de alterar a estrutura dos neurônios de uma forma a causar uma morte irreversível, fato que ocorreu no caso do povo Papua e também entre vacas que comiam ração que restos de outras vacas. Entretanto, esse fenômeno não foi observado em nativos americanos que também eram canibais e também não ocorre em filhotes de certas espécies de tubarões, que comem seus próprios irmãos ainda como fetos, o que prova que o canibalismo não é uma prática tão anormal na natureza e, mesmo estando tão relacionada a doenças, ainda deve ser bastante estudada.

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  5. As pesquisas dos médicos os levaram a novas e incríveis descobertas. Eles descobriram que o príon era o agente infeccioso do Kuru (agente infeccioso composto principalmente de proteína). E, atualmente, todas as doenças conhecidas de príons afetam a estrutura de cérebro ou do tecido neural, e todas são incuráveis e fatais. A descoberta foi uma reviravolta para comunidade científica, já que era a única doença epidêmica conhecida de príon a atacar seres humanos.

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  6. Os príons são proteínas que existem no nosso corpo e podem está relacionados ao funcionamento correto da memória. Contudo, existem formas mutantes dessas moléculas e são elas as que causam as graves doenças priônicas. A diferença entre um príon saudável e de uma forma anômala está na estrutura da proteína, enquanto a normal possui alfa-hélice a infectante possui beta-folha, o problema maior está no poder infeccioso da forma mutável em contaminar as outras, fazendo, assim, com que a doença seja fatal. Sabe que uma alimentação canibal é uma forma fácil de contaminação de príons, por isso o Kuru se alastrou rápido pelas comunidades africanas canibais, mas por se tratar de um processo cultural, fica difícil tentar impedir que esses indivíduos não se alimentem de carne humana.

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  7. Uma espécie possui muitos parasitas específicos para sua espécie e que não conseguem contaminar outras. Eis o grande perigos do canibalismo: o fato de males de sua espécie terem mais chances de ser transmitidos. Mas não se deve esquecer também que o consumo de outras espécies, como gado e suínos transmite doenças como cisticercose e teníase.

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